Um abismo de tristeza - Depressão

      

       

Para começar, quero fazer uma distinção entre a tristeza e a depressão.
O que é tristeza? É um estado de desalento, falta de alegria, infelicidade, lástima, etc.
E na depressão o que ocorre?
Em relação ao que temos escutado, lido ou assistido, a Depressão é um estado clínico onde encontramos uma tristeza. Mas não é somente tristeza, mas uma falta de energia, falta de desejo muito grande e uma abulia que impede o sujeito de desenvolver normalmente suas atividades: como trabalhar, namorar, comer, conversar com amigos, desempenhar suas tarefas costumeiras e até aquelas que lhe davam prazer. Dorme mal ou dorme muito.
A maioria das vezes esses pacientes chegam até nós quando já estão fazendo um tratamento medicamentoso. Os miligramas de Prozac ou Fluoxetina já fazem parte do cotidiano desse paciente e, mesmo assim, a estabilização da substância — Serotonina (que atua no cérebro e é responsável pelas sensações de “alegria”, estados afetivos, humor) não possibilita que encontre ânimo ou desejo para tocar sua vida.
Entendemos, em psicanálise, que não é a serotonina o que vai proporcionar com que o paciente deixe de ser infeliz. Mesmo que haja a necessidade de que tenha uma determinada quantidade de substância para que seu cérebro funcione bem.
Sabemos que não é somente a química cerebral responsável pelo bem ou mal-estar do paciente. Mesmo com toda a eficácia medicamentosa e progresso da ciência não existe um medicamento que faça o falante ser feliz, que o faça ter desejo. É verdade que, para alguns pacientes, a única possibilidade que ele tem de levantar da cama ou de não se matar e vir até o consultório é tomando um medicamento que altere seu humor, que trabalhe na produção da substância — serotonina — que ele não está fabricando.
Aprendemos com Freud e Lacan que o significante afeta o corpo, e na depressão afeta o funcionamento ou a produção de serotonina. Somente quando o paciente produz outros significantes é que pode alterar seu estado afetivo ou até o funcionamento de um órgão. Produz novos significantes e assim produz serotonina suficiente para alterar seu humor.
Na clínica psicanalítica, dedicamos nosso tempo à escuta da palavra a ser dita, da palavra sufocada, amordaçada.
É interessante lembrar que mesmo que o mais comum na depressão seja um estado semelhante à tristeza imensa, acontece em alguns que não exista tristeza. Existe mais uma abulia, onde os pacientes descrevem com pormenores sua falta de desejo em se levantar da cama, trabalhar, conversar, namorar, etc. Parece contraditório isso, se no título deste artigo  falo de um abismo de tristeza, nem sempre é assim. 
O discurso do sujeito “deprimido” é repetitivo, monótono. Eles falam de uma falta de sentido em suas vidas, independente do dia e ocasião, se faz sol ou chove, se conseguiu algo ou perdeu. Muitas vezes a depressão é instalada quando o paciente ganha uma promoção ou teve um filho.
Encontramos pacientes que, falando de seus sofrimentos, descrevem o que acontecem com seu corpo, corpo biológico, corpo este que em suas falas não são apreendidos como próprio, mas como um conjunto de órgãos, onde o sujeito não se vê responsável por ele. Por exemplo: paciente que sabia dos detalhes do funcionamento de seus órgãos, e dizia: o coração, o peito, etc. Em vez de nomeá-lo como “meu coração”, “meu peito”.
É na falta de palavras que a depressão encontra sua existência. Podemos considerar a depressão como um mal-estar da civilização. E por que tantos casos? A Organização Mundial de Saúde acredita que até 2020 será a segunda moléstia que mais matará.
Mas, mesmo que no início o paciente não saiba ou não diga por que está assim (deprimido) encontramos sempre um acontecimento, algo que sucedeu anteriormente ao estado de depressão.
Numa época como a nossa, marcada por avanços tecnológicos e científicos, onde podemos contar com a possibilidade de dar uma conferência aqui no Brasil e sermos escutados e vistos no outro lado do mundo, onde alguns acreditam em aproximação entre os falantes, o que encontramos são pessoas solitárias, que dizem não ter com quem fazer laços ou que acreditam que não precisam falar com os outros. Que não têm tempo para conversar, escutar o outro, rir e até chorar, quando preciso. A era da globalização faz com que os homens se aproximem dos objetos, separando-se dos semelhantes, onde anulam a questão do desejo.
O paciente deprimido renuncia a seus desejos mais íntimos, cede frente a seu desejo, adia, deixa para lá, deixa para depois. E essa renúncia é para manter um Outro (grande Outro em termos lacanianos) sem falta.
Lacan fala de tristeza na depressão, de covardia moral, citando Spinosa e Dante, onde há um rechaço do inconsciente, rechaço da linguagem. (Televisão- resultado da  entrevista que Lacan deu). E diz ainda, que essa covardia só se situa a partir do pensamento do dever do bem-dizer ou da orientação no inconsciente, na estrutura. Trata-se, portanto, de que o sentido para a tristeza ou para qualquer outro estado afetivo seja o tratamento da ética do bem-dizer através da análise.
Para o ser falante, a vida é uma vida que tem sentido, mas só o tem, se ele a der. E para o sujeito deprimido ela está esvaziada do mesmo. Eles têm dificuldades para encadear uma frase, para prosseguir. Interrompem a frase, param, têm dificuldade para falar e para agir.
É verdade que existe uma alteração biológica, mas essa é provocada, muitas vezes, por uma falha simbólica. E, também sabemos o quanto certas palavras aliviam  a dor. Elas tanto podem aliviar a dor quanto sua falta ser um amortecedor, a–morte-cedor.
Aprendemos que é a experiência com o outro o que pode imprimir e marcar o terreno biológico, alterando a produção de uma substância — serotonina ou de um órgão — por exemplo, a Tireóide. Ou o que faz uma criança andar não é somente seu amadurecimento neurológico e ortopédico, mas que aliado a isso, tenha lugar no desejo dos pais para que ela ande.
A análise possibilita o encadeamento significante, proporcionando um luto. Luto da Coisa (freudiana). Mas, muitas vezes o deprimido não quer se separar do Outro, não quer abdicar do “inferno” em que vive. Não quer, porque não consegue... Entre ele e os objetos instala-se um abismo, uma impossibilidade de fazer encadeamentos significantes. Alguns pacientes descrevem seu cotidiano como um “arrastar-se” para fazer suas atividades.
Para concluir, temos na explicação médica que a depressão é causada pela baixa produção de serotonina, substância responsável pelo humor. E também, uma das causas apontadas e motivo de indicações por parte dos psiquiatras, é o mau funcionamento da tireoide.
Mas sabemos que não se trata somente de uma disfunção cerebral, trata-se da forma como cada um encara sua vida, como se relaciona em relação ao mal-estar na civilização. E para que cada um se dê conta disso e dê conta de seu desejo é imprescindível que fale a um outro, a um analista para encontrar-se e descobrir-se no que diz, fazendo de sua palavra um bem alivia-a-dor. Existem os que podem fazer essa escolha e os que escolhem –mas sabemos que essa escolha não é consciente — viver acreditando que não tem nada a dizer sobre seu sofrimento.
Para os que escolhem saber o que lhes acontece, os analistas oferecem sua escuta. Escuta da dor de existência.

Andreneide Dantas
Psicanalista e Psicóloga

Agosto de 2003
Apresentado na Jornada Da Causa Analítica, Rio de Janeiro “Os afetos na vida cotidiana”


#escutaanalitica1

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